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sexta-feira, 30 de julho de 2010

Recordações da casa amarela

Desta vez não foram os livros. Desta vez as citações dos livros ficaram arrumadas lá pelas gavetas em peças albergadas em corredores e secções. Desta feita foram os filmes. As citações que me iam bailando na cabeça ao ritmo da empreitada num dia de calor tórrido. E foi isto porque sendo adepta fervorosa de self-services em algumas ocasiões, uso-os frequentemente no pagamento do supermercado para não aguentar as caixas contrariadas, dirigi-me a um desses locais que todos conhecem mas cujo nome me recuso a escrever aqui para não oferecer publicidade gratuita aos senhores nórdicos, para ser fiel proprietária de uma série de objectos de arrumação que me faltam no lar. Assim sendo, passada a primeira incursão no corredor 1 secção x, onde se encontravam os inofensivos varões, deparei-me com uma outra onde os volumes além de imensos, pesavam toneladas, e foi aí que me ocorreu a primeira frase, logo que tentei mover um enorme rectângulo de cartão recheado de madeiras e aglomerados. Perante o pesadelo dos bichos encaixotados, logo dois, quilos e quilos de materiais recicláveis que me hão-de salvar do caos doméstico e de acordo com a cábula levada e cumprida meticulosamente, ouvi vindo das profundezas da minha alma May the force be with you. Bem precisa foi. A seguir vieram oito gavetas, uns animais mortíferos que se recusavam a encaixar na arrumação previamente feita no carrinho. Podia ser na vertical ou na horizontal sobre os monstros que jaziam indefesos. Fácil não era e urgia a rearrumação das peças. Que outra frase que não esta Houston, we have a problem? Logo depois e mediante a irresolubilidade da questiúncula, lá vieram as linhas de um dos filmes da minha vida – mau, eu sei, por esta hora estarão a pensar mas por que carga de água gosta ela daquilo? Gosto, confesso, gosto muito – mas soaram, ai soaram, soaram Look, I guarantee there'll be tough times. I guarantee that at some point, one or both of us is gonna want to get out of this thing. E queríamos, claro que queríamos. Um ou dois ou um de cada vez ou os dois ao mesmo tempo. Quanto mais depressa melhor. Por último, lá pela canícula do meio-dia, com as compras feitas, transporte e montagem contratados, extenuada, exaurida, exausta, transpirada, uma tarde de trabalho intenso à minha espera na escola e com uma garrafa de litro e meio de água na mão, ainda suspirei Esta loja não é para velhos. E pronto, era só isto que queria dizer. Until then, good night!

sábado, 24 de julho de 2010

Comentários de fêmea cinéfila

Tadinho. Tanto mal que lhe fizeram.

Odisseias de um terraço desvalido

Ora portanto, são onze da manhã de um Sábado que me parece ensolarado, depois de uma noite óptima a ver Buena Vista Social Club com a grande Omara Portuondo no Jardim do Cerco aqui na terra, e eis-me agarrada ao computador ainda em pijama e gadelha desgrenhada, de óculos, é verdade sou míope e uso óculos aqui na intimidade. E perguntarão porquê. Que raio faz uma mulher logo pela manhã de um dia que se queria de descanso, de sol ainda por cima, depois de uma semana de caca que lhe sugou bulicamente energia a teclar furiosamente como se não houvesse amanhã.
O meu terraço que metia água e que me fez passar um Inverno de alguidares na cozinha e sentir-me a viver numa barraca como se estivesse no Feios, Porcos e Maus, apesar de ninguém me ter pedido para chegar para lá na cama que trazia uma amiga para a pernoita, o tal que me vai custar euros e impropérios, está em fase de reconstrução. Reconstrução acarreta marretadas, maçaricos e claro o teste. O teste consiste em meter água no terraço e esperar para ver. Ora ontem nem foi preciso esperar para ver, porque logo passado uns minutos, calculo, a água começou a entrar lampeira pela cozinha, logo após estendeu-se à sala. Mediante as evidências, houve que tentar reparar o arranjo que afinal não estava assim tão bem. Depois de nova tentativa e de nova reparadela, enche-se o terraço de água e hoje lá pela fresca, estima-se que ainda nem o sol tinha dado acordo de si, eis que a água entra, pior, a água entra agora também na sala, umas manchas ovaladas que me decoram o tecto. Adivinha-se um processo longo e ilustre, tentativa sobre tentativa até ter a casa num lago. A sorte é ter este blogue, ai meu querido blogue, ai blogue da minha alma, se não prevejo os danos colaterais: ou procuro o psiquiatra que em tempos me tratou do coração estilhaçado e alma em cacos ou recorro ao supermercado mais próximo e vou experimentando um por um, unzinho por unzinho, os sabores que me piscam o olho do lado da lá das câmaras frigoríficas. Ontem era um de nougat, mas também lá há de chocolate branco e frutos silvestres, de maracujá, demasiado inofensivo para este mal que me atormenta, o de canela e bolachas, razoavelmente calórico, este, e a seguir recorro ao meu dietista. Uma alegria.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Expansão vocabular

Há sempre aqueles momentos na nossa vida em que o vocabulário aumenta. Há uns tempos foi o encunicado que veio completar o meu tesouro de palavras, tradução literalíssima do germânico Wortschatz, ontem apaixonei-me pelo pensageiro, da autoria de Mia Couto e que me chamou na capa de um livro, quando ia às cenouras e às febras, anteontem, porém, acrescentei mais uma ao meu caríssimo vocabulário: sanca. E foi isto porque, depois de marteladas e marretadas no terraço, a sanca do tecto da cozinha suicidou-se lá do alto. Estatelou-se no chão sem dó nem piedade e jaz agora dentro de um saco plástico algures na cozinha. Sanca, portanto. Quando no telefonema da noite anunciei à minha mãe o suicídio da sanca, ela perguntou Sanca? Não sei o que é uma sanca. E foi aí que continuou a expansão vocabular e dei asas à professora que há em mim, pôr por miúdos o ininteligível à primeira. Fui-lhe dando instruções. ´Tás a ver aquela barra entre a parede e o tecto? É isso. Ah respondeu, mas aqui não tenho nada disso. Acrescentei, No fim da parede entre a dita e o tecto há assim uma barra, tipo um remate, é isso. Coisas das casas modernas. O meu medo é que me ponham uma cheia de arrebiques para compor a falta daquela. Não me pareceu convencida e dei por encerrada esta tarefa de me pôr a explicar nomenclatura de construção ou engenharia. O outro vocábulo que me entrou pela casa dentro foi OSB. Utilizado com frequência pela vizinhança nos oráculos e adivinhações quanto ao estado calamitoso e apocalíptico do terraço, era sempre lançado com gravidade o OSB deve estar todo podre e depois a finalização e é caro, deve ser caríssimo. Ora ontem, quando pelo fim da tarde me aproximei do jardim para expirar o dia de trabalho dei por uma placa castanha, assim um contraplacado forte, algo que nos meus tempos de criança se chamava platex ou contraplacado. Pelos visto hoje, mais sofisticadela menos sofisticadela, é OSB. A última palavra não foi propriamente uma descoberta, foi mais uma constatação e foi isto logo após a descoberta do enigmático OSB. Constatei, contornando a minha casa pelo lado direito, que o meu estendal de resina estava estraçalhado, acidente nas obras, desculpas para lá e para cá, tenho o estendal num caco, parece que lhe passou um rolo por cima, mas acredito que está ainda para vir, e a coisa está para breve, a utilização adequada ao contexto de uma série de palavras danadas e furiosas, asneiras e palavrões, quando me apresentarem um papelito com a conta do OSB mais a sanca mais o cerâmico, a impermeabilização, o isolante, a tela e sei-lá-mais-o-quê, horas e horas de trabalho que o meu terraço leva. Tudo isso em euros. Não há vocabulário que me chegue.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Momento sitemeter (23)

A quem veio dar a este blogue à procura de tatuagem no pénis a gerência informa que não temos, nem um nem outro.

domingo, 18 de julho de 2010

sábado, 17 de julho de 2010

Curiosidade...

de saber quem linkou este post no Facebook. Tem sido um corropio de visitas. Aos novos visitantes as boas-vindas mesmo que tenham vindo aqui parar por um motivo tão triste.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Angústias de uma dona de casa irada

No dia exacto em que uma contrariada dona de casa decide fazer uma barrela nos cortinados para lhes mandar fazer bainha e porque convém que sejam lavados naturalmente, chove. Chove em Mafra. Mau grado o aquecimento global eu até andava feliz nos últimos anos, porque aqui o tempo se tinha tornado normal e havia dias de sol normais em que se podia ir à praia, sair sem casacos e fazer a vida quase normal da gente normal numa estação normal. Errado. Voltou tudo atrás. Ele há neblina matinal, neblina no ocaso, frescura nos ossos que obriga a um agasalho, vento e, como se não chegasse, hoje há chuva. Chuva, chuvinha, morrinha, chão molhado, pingos que me cumprimentam da glicínia à saída de casa e as gatas que chegam de pêlo húmido depois do passeio matinal. Já pensei em atracar-me nos prozacs que sou fraquinha dos nervos no que toca a assuntos domésticos mas preferi vir para aqui desanuviar. Logo à noite ainda posso vingar-me em duas bolas de gelado generosas com um barquilho de baunilha, até porque não tenho prozacs em casa mas dá jeito aqui para o post. Raios. Caca de tempo.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

O mundo a meus pés

O meu problema, um dos, é ter o vício de querer viajar sempre, sempre mais, sempre tudo, sempre sempre. Num desses momentos femininos de encantamento total por um par de sapatos, sandálias ou qualquer outra coisa que lhe queiram chamar, de uma marca conhecida muito na moda e que, para cúmulo, combina o melhor de dois mundos, voar e a capital britânica na denominação, dei por mim a fazer o raciocínio de sempre enquanto os virava e revirava, cobiçava, desejava: cem euros de sapatos é muito dinheiro, cem euros por isto? E o remate costumeiro, a conversão imediata Cem euros é uma viagem de ida e volta a Edimburgo. Uma passagem de avião daqui para fora. Podia ser Londres também ou Paris ou Roma ou Milão, Milão ainda mais barato, mas não gosto muito de Milão, ou Berlim. E pronto, ando nisto há meses. Agora com os saldos e promoções embarateceram um bocadito, as ditas chanatas, mas continuam a ser uma viagem a Londres nos pés a arrastar por esse chão imundo e é claro que tirando os breves instantes de ver o pezito de cinderela quarentona encaixado na perfeição na sapatola da moda, uma viagem a Londres é sempre uma viagem a Londres. Ele há livros, há mercados, há musicais, há gente na rua de todas as cores, há Londres, ponto final. Aguardo ansiosamente que desçam para metade do preço. Nesse caso seria só a viagem de ida, o que nos tempos que correm não me caía nada mal.

imagem: Beryl Cook

Contente, contente, contente

Os meus alunos tiraram boas notas no exame.

domingo, 11 de julho de 2010

Tentáculos e oráculos

Odeio, odeio de raiva e fúria, água gelada e mar frio, não tanto as ondas, porque tendo aprendido a nadar na Figueira da Foz e sendo frequentadora assídua das praias que tenho aqui a dez minutos de casa, não há como não me ter habituado ao mar batido e furioso. Mas o frio. O frio é que me mata. Matava, passemos então a usar o pretérito, porque depois do cefalópode germânico, Paul de seu nome, ter adivinhado o resultado de todos os jogos onde os audazes rapazes teutónicos se envolveram com outros onze rapagões, nas vitórias e nas derrotas, incluindo o recentíssimo infortúnio holandês contra nuestros hermanos, sou eu mesma, eu mesminha da silva, que me porei no encalce de um polvo adivinho nestas águas gélidas da Ericeira. Com os políticos que temos prefiro acreditar em polvos e com as presidenciais quase à porta há que precaver o futuro. Assim que tiver novidades sobre os desígnios deste país darei novas. O pior que pode acontecer é convidar-vos para um opíparo arroz de polvo.



sábado, 3 de julho de 2010

Ai não vais não

Se entrar numa livraria não tenho este problema. A certeza de que só vou encontrar livros prepara-me para o que vou encontrar e quase intuitivamente separo os títulos e autores e corro ao encontro do desejado, pode ser apenas um desejo súbito e arrebatador, se o autor me agradar, a capa for apelativa e o título sugestivo. Contudo se me encontrar com os livros num hipermercado, no que desgraçadamente frequento encontram-se na entrada logo à direita, nutro por eles um sentimento diferente. É claro que não resisto a um olhar cirúrgico à procura de novidades, dão cabo de mim as novidades, mas de seguida separo a Nora Roberts, a Jodi Picoult e o Nicholas Sparks, às vezes tenho até vontade de os rearrumar nas estantes e os separar da Toni Morrison e da Doris Lessing, não sei porquê, mas acho que não ficam bem ao lado uns dos outros. Hoje, por exemplo, havia uma biografia no meio dos livros do Mia Couto e não me pareceu bem aquela intromissão. Também já estive para chamar a assistente e explicar-lhe que não, que Em Busca da Felicidade, um dos livros que mais me arrependo de ter comprado, não é um livro de auto-ajuda, ouviu? E que o Nagib Mahfouz também não tem nada que ombrear com as espiritualidades, ainda não entendi porque o colocam sempre ali. Outros dias embirro com as celebridades que deram em escritores e escritoras. Toda a gente sabe, muita pelo menos, que nada daquilo interessa ao mais pintado, mas também toda a gente sabe que o autor vende e não há quem resista aos esgares da Fátima Lopes perante os pobrezinhos e desvalidos do mundo que se adivinham entre as páginas. Mas hoje foi diferente. Hoje aconteceu-me ter vontade de esbofetear um livro. Sim, é verdade, insólito e até um pouco embaraçoso para quem tem os livros nos genes, outra mania com que vim equipada de origem, mas nada como admiti-lo. Ocupava um lugar de destaque, o parvalhão, e gritou-me Desculpa, mas vou chamar-te amor. Ai não vais, não. AMOR? Virei-lhe as costas e fui irritada aos deliciosos biscoitos crocantes de coelho, aves e legumes que fazem as delícias da população felina cá da casa. Que título mais ridículo. Parvalhão.